15 de setembro de 2010

material da aula de sábado - 11/09/10 - Profª. Luciana Russo

A Laisa mandou no email e estou repassando


O direito à informação e os princípios gerais da publicidade no Código de Defesa do Consumidor

Simone de Almeida Bastos Guimarães

Atualmente, para que o consumidor possa satisfazer plenamente suas necessidades frente a uma economia massificada e globalizada, torna-se fundamental que seja tutelado o seu direito à informação, o qual lhe dá condições para exercer o seu direito de escolha.

Assim sendo, "a informação é eregida em direito fundamental do consumidor, de cada cidadão, no plano mais elevado que o sistema jurídico pôde desenvolver (...)".1

Verifica-se, no plano internacional, o reconhecimento da natureza fundamental do direito à informação, mediante, por exemplo, a Resolução nº 39/248 da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 16.04.1985, a qual determina, entre suas normas, o desenvolvimento e o incentivo a programas de informação e educação (norma F), com o objetivo de "fornecer aos consumidores informações adequadas para capacitá-los a fazer escolhas acertadas de acordo com as necessidades e desejos individuais" (item 3, alínea c).

No âmbito nacional, nossa Constituição Federal, além de expressamente prever a defesa do consumidor no elenco dos direitos fundamentais (Art. 5o, XXXII), contempla três espécies de direito de informação2:

a)o direito de informar: a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição (art. 220, caput). É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (art. 5o, IX). No entanto, esse direito não pode transpor os limites da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (art. 5o, X). Trata-se de uma prerrogativa concedida pela Carta Magna às pessoas físicas e jurídicas;

b)o direito de se informar: é assegurado a todos o acesso à informação (art. 5o, XIV). Uma vez exercido o direito de informar, a informação torna-se pública, daí decorrendo o direito de todos receberem-na e exigirem-na. Todavia, o acesso à informação não é absoluto, encontrando limites no próprio inciso XIV, 2aparte ("resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional") e no inciso X retrocitado. Quando se trata de informação relativa à própria pessoa, a Constituição garante-lhe o habeas data (art. 5o, LXXII) na hipótese de direito líquido e certo de conhecer e/ou retificar a informação existente em registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público;

c)o direito de ser informado: esse direito nasce sempre do dever que alguém tem de informar. A Constituição trata, basicamente, do dever de informar dos órgãos públicos (art. 5o, XXXIII e art. 37). No que tange ao dever de informar das pessoas em geral e das pessoas jurídicas com natureza jurídica privada, é o Código de Defesa do Consumidor - CDC (Lei no. 8.078/90) que estabelece tal obrigatoriedade ao fornecedor.

A força desse direito de informação, especialmente o de se informar e ser informado, transpassa o topo da escala hierárquica das normas para corresponder à espinha dorsal de todo o sistema protetivo disposto no CDC, o que é comprovado pela simples constatação de que o substantivo "informação" ou o verbo "informar" são citados 28 vezes no corpo dos 119 artigos desse sistema.


PRINCÍPIO DA INFORMAÇÃO AMBIENTAL

A Lei 6.938/81 Política Nacional do Meio Ambiente em seus artigos 6°, § 3°, e 10° já previa o Princípio da Informação Ambiental. À luz da Constituição Federal em seu artigo 225, § 1°, VI onde incube ao Poder Público promover a educação e conscientização ambiental. A Constituição Federal nos artigos 220 explicita o direito que a coletividade detém não só à informação como de ser informada. Este é um dos pilares do Direito difuso e coletivo. Onde se misturam a complexidade com a simplicidade. Cessam, entretanto, quaisquer dúvidas sobre a importância do tema.

Logo, temos o direito à informação ambiental pelo simples fato de termos o direito de viver em um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

O Princípio da Informação Ambiental se assemelha a dar publicidade a um determinado fato envolvendo questões ambientais, não se pode confundir com a comunicação, neste caso já ocorreram todos os possíveis danos


A IMPLEMENTAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO NA REALIZAÇÃO

DO PROJETO-PÉ-DE-PINCHA: UM ESTUDO DE CASO.

Genise de Melo Bentes1

1.INTRODUÇÃO

O Direito Ambiental é o ramo do Direito Público, que tem por como objeto “a

ordenação da qualidade do meio ambiente com vista a uma boa qualidade de vida” (Silva, 2004)2, é constituído de princípios, um dos que merecem ser destacados pelo seu valor em realizar uma mudança de consciência crítica e da conduta social, é o princípio da participação.

O princípio da participação é reconhecido pelo ordenamento jurídico internacional e nacional, encontra-se acolhido no artigo 225, na Constituição Federal de 1988, que estabelece como dever do Poder Público e da coletividade a defesa e a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações. E também está claramente delineado no artigo 10, da Declaração do Rio de Janeiro, na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento de 19923 e permeia praticamente toda a Agenda 21, oriunda da ECO-92. Indubitavelmente, a falha ou a falta de implementação deste princípio poderá acarretar um dano imensurável à sociedade, por implicar em decisões governamentais que não reflitam a realidade local, ensejando um entrave ao Estado de Direito Democrático e conseqüentemente ao exercício da cidadania. Portanto, cabe ao Poder Público o dever de propiciar a participação popular para a construção de uma sociedade solidária, justa e igualitária.

Por outro lado, é preciso que o cidadão exerça o direito-dever de participar aproveitando os espaços existentes com essa finalidade, para que seja inserido no processo de tomadas de decisões do nosso país, evitando que interesses diversos daqueles da coletividade sejam contemplados.

A fundamentabilidade do princípio da participação encontra-se no fato de que o cidadão, o grupo social, a comunidade, o movimento social etc., participando do processo de decisão da administração pública pertinente aos recursos naturais, está fazendo uma integração entre sociedade e Estado, colaborando na mudança da visão governamental sobre a gestão de recursos e sua aplicabilidade na realidade existente. Para ilustrar melhor a importância deste princípio será utilizado um estudo de caso, que apresenta a experiência piloto do Projeto Pé-de-Pincha, desenvolvido na fazenda Aliança, no lago do Piraruacá, no Estado do Pará, o qual aborda o manejo sustentável de quelônios.

Na referida experiência se constata a atuação dos atores locais na busca da

implementação do princípio da participação e por outro se verifica a ausência de iniciativa por parte do Poder Público local e a sua pouca colaboração na realização das atividades de continuidade do projeto.

2- PARTICIPAÇÃO SOCIAL E O PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO

Participar conforme o dicionário4 é informar, comunicar, ter ou tomar parte, por isso participação é o ato de participar, de ter ou tomar parte em algo ou alguma coisa.

Existem vários tipos e níveis de participação, neste trabalho vamos tratar sobre a

participação social.

A participação social na concepção de BORDENAVE (1983) “é o processo mediante o qual as diversas camadas sociais têm parte na produção, na gestão e no usufruto dos bens de uma sociedade historicamente determinada” 5.

Assim, a participação social surge da necessidade, da luta e conquista do ser humano em fazer parte da sua história, de poder conduzir o seu destino de maneira digna, construindo, usufruindo, fiscalizando e gerenciando os bens comuns, auxiliando a administração pública a cuidar do interesse coletivo.

A participação social é um processo, pelo qual se inicia pela percepção da necessidade de fazer parte de uma sociedade e conseqüentemente dos problemas que afligem os seus integrantes, é o despertar da consciência em relação ao outro e do espaço em que vive.

Um segundo ato é a interpretação da realidade fática, nessa fase surge a

consciência crítica. Em outro momento, após a compreensão e entendimento dos fatos, nasce a vontade de transformar, de solucionar problemas e de acompanhar a situação. Nesta fase o ser humano tem a vontade de fazer parte na conquista de uma sociedade nova, que realmente possa viver os valores da igualdade, da justiça e da dignidade humana. Dessa maneira, o grupo social tenta se mobilizar em torno de um determinado objetivo para alcançá-lo. Se o grupo social elege como objetivo a defesa de um determinado bem ambiental, por exemplo, a fauna, o delineamento de atividades do grupo social terá como escopo à conservação desse recurso ambiental. O cidadão ao participar de uma comunidade busca a realização do interesse coletivo, assim como o Estado que nasceu com a finalidade do bem comum. Todavia, o individuo no processo participativo encontra muitas dificuldades e algumas são impostas pelo próprio Poder Público.

Historicamente a sociedade brasileira nem sempre teve oportunidade de participar

da gestão da administração pública. Isso era um fato notório nos anos de Regime Militar. Apesar da situação atual ter sido alterada e apresentar significativas mudanças sobre os tipos e níveis de participação social. Ainda, encontramos resquício do autoritarismo da ditadura militar, quando nos deparamos com alguns poderes públicos que não implementam devidamente a participação social na condução de suas atividades, que acabam destoando da realidade social.

As modificações podem ser verificadas principalmente nas normas e nos instrumentos jurídicos introduzidos pela legislação contemporânea, que viabiliza a participação social. É o caso da ação popular, ação civil pública, da criação de vagas em conselhos, participação em audiência pública, estudo de impacto ambiental etc.

Essas mudanças são resultantes do processo de organização e pressão da sociedade civil, que ao longo do tempo vem realizando um enorme esforço para ser incluída nos processos decisórios do Poder Público. Neste sentido, podemos afirmar que uma das áreas do Direito que reflete a necessidade da participação social no gerenciamento da administração pública, é o Direito Ambiental. O Direito Ambiental que no entendimento de CUSTÓDIO6 (2001) é:


“o conjunto de princípios e normas gerais, especiais, complementares e excepcionais impostos, coercitivamente, pelo Poder Público competente e disciplinadores de todas as condutas e atividades direta e indiretamente relacionadas com a proteção, a conservação, a conciliação dos interesses sócio-econômicos com a preservação ambiental mediante o uso racional (suscetível da disponibilidade permanente), a recuperação ou a melhoria dos recursos ambientais, tanto naturais (ar, águas, solo, com seu subsolo, espaço aéreo, seus demais acessórios e

adjacências naturais, espécies vegetais, animais e microrgânicas, luz solar, energia, silêncio ambiental, alimentos e bebidas, recursos naturais de valor científico em geral) como culturais (de valor histórico, artítisco, arquitetônico, urbanístico, monumental, paisagístico, turístico, arqueológico, paleontológico, ecológico, científico) e sócio-econômicos, tendo por objetivo a preservação do patrimônio ambiental (com todos os bens integrantes) e por finalidade a manutenção da sadia qualidade ambiental propícia à vida, à saúde pública, à segurança, ao bem-estar da população e à Paz Social”.

O Direito Ambiental tem vários princípios, o princípio da prevenção e da precaução, o do poluidor-pagador, o da educação ambiental, o da informação; o do desenvolvimento sustentável e o princípio da participação.

O princípio da participação seria a viga maior para aportar os demais princípios, utilizando para a sua implementação a efetividade dos princípios da informação e da educação, fazendo o chamado tripé dos princípios basilares do Direito Ambiental. Visto que é inconcebível participar, no sentido pleno do significado desta palavra, sem ter acesso à informação e possuir consciência crítica, também oportunizada pela educação ambiental. Este princípio sustenta que deve ser assegurada a participação do cidadão nas questões pertinentes ao meio ambiente. Portanto, é um instrumento jurídico viabilizador da

participação social. A princípio da participação é relevante, porque propicia as pessoas o direito de participar das questões ambientais, inclusive exercer o papel de co-gestores na administração pública, exigindo por outro lado, a inclusão no processo para as tomadas de decisão e na transparência do Poder Público.

Contudo, o Poder Público ainda não conseguiu incorporar completamente esse

princípio as suas atividades, isso pode ser oriundo da resistência de autoridades em ter sua administração fiscalizada e co-gerida pelos cidadãos. E também é resultado da ineficiência da administração pública em cumprir com os seus deveres legais e zelar pelo interesse coletivo. Devido a essas dificuldades em implementar o princípio da participação, o Poder Público ocasiona problemas aos cidadãos que querem fazer parte da administração dos recursos ambientais. Alguns entraves que podem ser citados como exemplos, é a falta de informação das questões pertinentes ao meio ambiente, a ausência de incentivo e apoio aos grupos sociais que buscam soluções alternativas para alcançar o proclamado desenvolvimento sustentável.

A implementação do principio da participação, é cada vez mais imprescindível, para isso é necessário que os cidadãos, associações, grupos sociais, movimentos sociais, ONGs, comunidades etc. sejam fomentados e organizados em prol da participação nas questões ambientais.

O cidadão ao ter o direito violado à participação precisa fazer uso dos instrumentos jurídicos previsto na nossa legislação brasileira para efetivar esse direito. A efetivação do referido princípio, além de cumprir com a finalidade legal, ainda consolida os fundamentos da cidadania, da dignidade humana e culmina na concretização do Estado Democrático de Direito.

3- ESTUDO DE CASO: PROJETO PÉ-DE-PINCHA

A Fazenda Aliança, no lago do Piraruacá, fica localizada a aproximadamente 30

quilômetros de Terra Santa, no Estado do Pará, é um dos primeiros lugares, onde o Projeto “Pé-de-Pincha” foi desenvolvido. A propriedade pertence ao sr. Manoelino de Oliveira Bentes, também conhecido como “Mocinho Lobo”. Há algum tempo, o sr. Mocinho Lobo enfrentava conflitos com os predadores7 dos recursos naturais, tendo em vista o seu zelo para cuidar do rico patrimônio ambiental que há em suas terras. Em defesa não somente do seu interesse individual, visto que a conservação do lago do Piraruacá, que banha a sua propriedade é de interesse de toda a comunidade local, ele procurou o IBAMA/PA e relatou a situação. Todavia, a autoridade que o atendeu, o aconselhou a voltar para casa e se “acostumar” com a situação, visto que, ali (o lago do Piraruacá) era muito rico em fauna e esse tipo de exploração predatória acabaria ocorrendo com mais intensidade, sendo um atrativo para os pescadores e caçadores de quelônios.

Deve ser ressaltado que a legislação proibiu a caça e a comercialização dos quelônios (tartaruga-da-Amazônia8, o tracajá9 e o iaça10 ou pitiú), no entanto, ainda é relevante o consumo ilegal desses animais pelos habitantes da região norte11.

Indignado e até desesperado, percebendo que a “fartura” do lago do Piraruacá iria

acabar, o sr. Mocinho Lobo procurou o engenheiro agrônomo Paulo Andrade, professor da Universidade Federal do Amazonas - UFAM e demonstrou a sua preocupação e a boa vontade em iniciar um trabalho de conscientização para conservação dos recursos naturais, porque desejava que as outras gerações tivessem a oportunidade de usufruir desse patrimônio12.

A partir da iniciativa deste cidadão, que acabou mobilizando uma parte da comunidade local, surgiu a proposta do prof. Paulo Andrade em implantar o projeto Pé-de-Pincha, com a parceria da UFAM e do IBAMA/AM. Em maio de 1999, no município de Terra Santa foi realizado um seminário sobre o projeto, expondo e discutindo o seu plano de ação para aquele ano, sendo formados 3

grupos: Áreas protegidas; Áreas de transferência (coleta) de ovos; Educação Ambiental. Para isso, foi traçado um cronograma de atividades, realizando-se treinamento para os participantes sobre o manejo dos quelônios, como também curso de agentes ambientais voluntários e de capacitação em Educação Ambiental para os professores daquela região. O projeto recebe o nome de “Pé-de-Pincha” em virtude da pata do tracajá lembrar o formato de uma “pincha” (tampinha de refrigerante). Ele tem como objetivos, frear a captura predatória de quelônios e apresentar alternativas de desenvolvimento sustentável, porque visa a conservação dos quelônios pelos próprios comunitários, a utilização do recurso para subsistência e até comercialização de filhotes para criadores (possibilidade) e a criação dos mesmos pelas comunidades envolvidas. Isto porque há uma portaria do IBAMA (nº 142/92-P) que regulamenta a criação da tartaruga-da-amazônia e do tracajá, porém naquela época, esse órgão ainda não possuía áreas de proteção destinadas ao tracajá, assim não tinha como oferecer filhotes dessa espécie para quem quisesse criar.

O Pé-de-pincha ainda está na primeira fase, na qual busca estabelecer a conscientização ambiental e aumentar a população de quelônios nos lugares onde é desenvolvido o projeto. É prevista a implementação do programa de educação ambiental com enfoque para o ecoturismo e organização das comunidades em associações e/ou cooperativas. Esse projeto é pioneiro, conforme Andrade (2001)13 foi a primeira área de conservação de populações naturais de tracajás na Amazônia, e um dos primeiros locais estabelecido por iniciativa das comunidades e prefeituras municipais e por ser o primeiro local onde, o trabalho de conservação está sendo acompanhado simultaneamente de um trabalho de educação ambiental. O projeto funciona da seguinte forma: Preliminarmente, é realizada uma técnica de transferência de ninhos. Os ovos são coletados nas praias, os ninhos são abertos e colocados em caixas de isopor forradas com areia. Em seguida são levados para a “chocadeira” ou “incubadora”, onde tem covas artificiais construídas de modo similar a natureza. Cada cova recebe uma placa

(estaca) com informações a respeito da coleta e a provável data da eclosão. E há também algumas covas naturais, com cercas individuais e bandeira vermelha de demarcação. Na literatura não havia descrição sobre técnica de transferência de ninho, gerando um problema para os pesquisadores que realizaram esforço em descobrir qual seria a solução. Nesta ocasião, o sr. Mocinho Lobo cogitou a possibilidade de transferir o ninho de uma determinada praia para um local reservado, fazendo uma cova artificial semelhante a natural, por ter vivido uma experiência análoga, na qual enterrou uma porção de ovos de tracajá dentro de uma saca em uma cova cavada pelas mãos humanas e que tempos depois, ocorreu a eclosão dos ovos e os filhotes saíram da cova artificial. Dessa forma, a experiência do comunitário ajudou imensamente no avanço científico da conservação dos quelônios. Esse procedimento foi testado e aprovado pelos técnicos da UFAM e do IBAMA-AM, transformando-se na técnica de transplantar os ovos dos quelônios. Após o início das eclosões e o nascimento de filhotes nas covas transplantadas, os comunitários (já treinados pelos técnicos da UFAM) levam os filhotes para o berçário (tanque redondo de alvenaria), porém, antes são medidos, pesados e marcados (recebem as letras iniciais da praia em que foram coletados). No berçário, eles são alimentados (aguapés, murerus, vísceras de peixes, pão e ração para peixes) e protegidos dos predadores (o berçário é recoberto de fios de nylon traçados e é feito monitoramento por agente ambiental voluntário). Aproximadamente dois meses depois, os quelônios são soltos nas praias onde foram coletados em proporção semelhante ao número de ovos coletados em cada local. Na soltura, tem a presença de pessoas das comunidades, alunos, equipe da UFAM, do IBAMA do Amazonas e do Pará e autoridades locais, realizando-se até uma pequena festa para comemorar a conservação dos quelônios. A Universidade do Amazonas, por meio da Pró-Reitoria de Extensão, através do professor Paulo Andrade, vem atuando no projeto “Pé-de-Pincha”, realizando um banco de dados que tem como objetivo auxiliar a elaboração de um plano de manejo de quelônios para a região, colaborar com a capacitação dos comunitários na fiscalização ambiental e com as técnicas de manejo de quelônios, bem como ajudar na organização e nos trabalhos das associações já formadas, divulgando idéias e técnicas para alternativas econômicas de desenvolvimento. Ademais, realiza com a comunidade local, o trabalho de educação ambiental, realizando cursos de capacitação e reciclagem dos professores da rede pública de ensino. Em 27 de janeiro de 2000, o IBAMA do Amazonas e do Pará fizeram uma portaria conjunta (Nº 001), tornando a área do lago do Piraruacá, Xiacá Grande e Pantoja, como área de conservação de recursos pesqueiros e da fauna, onde só a pesca pode ser praticada por moradores dessas comunidades e no limite da necessidade da alimentação do pescador e sua família.

Deve ser relatado, que no começo, muitos estavam interessados em oferecer parcerias e colaboração na realização deste projeto, principalmente o Poder Público local. Porém, no decurso do processo de participação, essas promessas14 não se concretizaram integralmente e algumas ficaram somente nos discursos de políticos da região. Com muito esforço, a comunidade impulsionada pela liderança do sr. Mocinho Lobo e das equipes da UFAM e do IBAMA/AM continuaram o seus trabalhos, que é um sucesso, mas sempre enfrentando grandes dificuldades como a falta de recursos financeiros, desmobilização por causa do medo dos conflitos (agentes ambientais voluntários xinfratores) e a pouca colaboração do Poderes Públicos locais. Um dos problemas que poderia ensejar o fracasso ao projeto é que na realização das atividades do Pé-de-Pincha é necessário transporte fluvial15 para coletar os ovos e fiscalizar as áreas de conservação de recursos pesqueiros e da fauna, assim é imprescindível a existência de recursos financeiros para o combustível. Em alguns momentos, não era possível realizar a fiscalização por falta de combustível. Em outros, os próprios comunitários contribuíam financeiramente para que a fiscalização fosse efetuada na região.

Um outro ponto crucial para o desenvolvimento das atividades é a existência de agentes ambientais voluntários, por causa da falta de recursos humanos do IBAMA. No projeto ocorreu desmobilização do grupo de agentes ambientais voluntários, resultante do medo de conflito com os infratores e também pela inviabilidade econômica de manutenção das suas famílias, tendo em vista que a fiscalização ocupava um longo período de tempo. O Poder Público local é um parceiro importantíssimo na concretização do projeto Pé-de-Pincha, embora tenha mostrado muito interesse, vem colaborando pouco com as atividades desenvolvidas. O poder executivo local não direciona regularmente recursos financeiros, materiais e humanos para o projeto. Ocasionalmente, após várias solicitações de comunitários libera uma ajuda financeira para atividades do projeto. O poder legislativo se divide em vereadores que apóiam a iniciativa e outros que não concordam com a existência do projeto, porque entendem inviabilizar o crescimento econômico da comunidade local. Ressalta-se que a atividade econômica do município de Terra Santa baseia-se na exploração dos seus recursos naturais, como a pesca.

Em relação a isso, é preciso registrar que alguns comunitários não aderiram ao projeto, porque as suas manutenções econômicas dependiam desses bens ambientais e não conseguem incorporar a idéia que esses recursos são finitos e pela falta de políticas públicas que proporcione outra fonte de renda.

Atualmente, o projeto realiza as atividades de coleta e transferência de ovos, criação dos filhotes nos berçários e soltura dos quelônios nas praias. Além da fiscalização por agentes voluntários nos rios e lagos de conservação de recursos ambientais, e também, práticas de educação ambiental na comunidade local16.

Apesar de todos os entraves citados anteriormente, essa experiência teve um bom êxito e foi disseminada em outras localidades do Estado do Amazonas e do Pará.

O projeto está sendo desenvolvido nas seguintes comunidades: Lago do Piraruacá, Uxi, Itaubal, Urupanã, Boca do Piraruacá e São Francisco; Igarapé dos Currais; no Lago do Abaucú – Jauaruna e Capote; no Igarapé do Jamary – Alema e Chueda; Cabeceira dos Cláudios; Conceição; Samaúma no Macuricanã; e Barbaça; Casinha e Ascensão, no Lago do Sapucuá; e Murituba e Santa Rita da Valéria em Parintins.

4- CONCLUSÃO

A experiência relatada foi iniciada por um cidadão, que envolveu instituições públicas e a comunidade local para a realização de um projeto que beneficia as gerações atuais e vindouras, exercendo o direito à participação e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

É um exemplo que mostra perfeitamente a importância do princípio da participação na construção da cidadania e do Estado de Direito Democrático.

Percebe-se que mesmo existindo entraves gerados pelo Poder Público local, o projeto obteve êxito, principalmente porque adveio da necessidade da comunidade e pela participação vivenciada no planejamento das atividades e na implementação do Pé-de-Pincha. Inclusive tornou-se modelo para a região, sendo o projeto reaplicado em outros lugares da Amazônia, adequando-se a realidade de cada local e dos seus participantes. Uma questão que merece ser destacada é a dificuldade do Estado em favorecer a participação social, que dentre outras razões, pode ser conseqüência da recente consolidação da democracia no nosso país e perpassa pela ausência de vivência da participação do cidadão nas questões referentes ao meio ambiente. Essa ausência de participação do cidadão pode ocorrer em virtude do desconhecimento do seu direito de participar, pelas dificuldades em efetivar esse direito, como em ocupar os espaços públicos existentes com esta finalidade e também pela própria cultura de não participar,

entre outros. Outro fator que precisa ser considerado é o tempo, uma variável relevante no processo para as tomadas de decisões, visto que a inserção da participação popular repercute no lapso temporal maior para se obter um consenso. Para o governo isso poderia ser um entrave na sua administração, que tem um período de 4 anos para cumprir as suas metas e programas. Talvez, por isso, a elaboração e implementação de políticas para incentivar a participação do cidadão não sejam prioridades nos projetos governamentais e também por decorrer da ausência da idealização de uma política de Estado, em virtude da realização de uma política de governo com a intenção de marcar o período no poder. A falta de políticas direcionadas para o meio ambiente naquela localidade pode ser considerada como um fato que impulsionou a iniciativa da comunidade em se organizar em torno de um projeto que visa a conservação de bens ambientais, para que suas necessidades futuras possam ser satisfeitas com a utilização sustentável dos recursos naturais que na atualidade era escasso em algumas regiões. Assim a participação social é primordial ao possibilitar o co-gerenciamento dos recursos ambientais em colaboração com o Poder Público, viabilizando decisões e políticas que atendam o interesse da coletividade, como é o caso dos recursos ambientais. Isso somente será possível pela implementação do princípio da participação, que deverá fazer sempre parte e prioridade das atividades do Poder Público, com o objetivo de garantir a verdadeira democracia, fazendo emanar o poder do povo e o interesse coletivo.


AGRADECIMENTOS

A autora agradece ao Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas, à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas, ao Sr. Manoelino de Oliveira Bentes pelo relato da experiência do Projeto Pé-de-Pincha, ao Prof. Doutor Paulo César Andrade e a Profa. Doutoranda Lucilene Ferreira de Melo (UNINORTE), pelas críticas e sugestões que permitiram o aprimoramento do texto.

5- REFERÊNCIAS

ANDRADE, Paulo César Machado et all. Manejo Sustentável de Tracajás (Padocnemis unifilis) por Comunidades nos Municípios de Terra Santa e Oriximiná – PA e Barreirinha, Nhamundá e Parintins – AM – “Projeto Pé-de-Pincha”. Anais do IV Congresso da Sociedade Brasileira de Sistemas de Produção, 2001.

BRASIL. Constituição Federal, Coletânea de legislação de direito ambiental. MEDAUAR, Odete (org.). 4 ed. , São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

CUSTÓDIO, H. B. Direito Ambiental: Da conceituação jurídica aos desafios da

conscientização pública. Revista de Direitos Difusos, 2001, v.6, 711-737.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da Língua Portuguesa. 3. ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

SILVA, José Afonso.Direito Ambiental Constitucional. 5. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.


1 Mestranda do Programa de Mestrado em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas - UEA.

Bolsista da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Amazonas - FAPEAM.

2 SILVA, José Afonso.Direito Ambiental Constitucional. 5. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 41.

3 “Princípio 10 - A melhor maneira de tratar questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo deve ter acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente de que disponham autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar em processos de tomada de decisões. Os Estados devem facilitar e estimular a conscientização e a participação pública, colocando a informação à disposição de todos. Deve ser propiciado acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que diz respeito à compensação e reparação de danos” (grifos nossos).

4 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da Língua Portuguesa. 3. ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1993.

5 BORDENAVE, Juan E. Diaz. O que é participação. Coleção Primeiros Passos, 95.São Paulo: Brasiliense, 1993, p.25.

6 Custódio, H. B. Direito Ambiental: Da conceituação jurídica aos desafios da conscientização pública.

Revista de Direitos Difusos, 2001, v.6, 722.

7 Inicialmente, os predadores eram pessoas que vinham de lugares distantes, onde alguns recursos já estavam escassos, por exemplo, peixes (tambaqui, pirarucu, etc) e quelônios (tartaruga-da-Amazônia e tracajá), com a finalidade de pesca e captura predatória para comercialização nos grandes centros. Posteriormente, moradores da região envolvidos por agentes externos da comunidade local, também começaram a realizar as mesmas práticas citadas.

8 Espécie Podocnems extensa.

9 Espécie Podocnemis unifilis.

10 Espécie Podocnemis sextuberculata.

11 Os quelônios e seus ovos são utilizados em pratos culinários muito apreciados na região Amazônica, um dos motivos que estavam levando a extinção de algumas espécies.

12 Relato obtido por comunicação pessoal do sr. Manoelino de Oliveira Bentes.

13 ANDRADE, Paulo César Machado et all. Manejo Sustentável de Tracajás (Padocnemis unifilis) por Comunidades nos Municípios de Terra Santa e Oriximiná – PA e Barreirinha, Nhamundá e Parintins – AM –

“Projeto Pé-de-Pincha”. Anais do IV Congresso da Sociedade Brasileira de Sistemas de Produção, 2001.

14 Uma das promessas era colaborar com recursos financeiros e materiais em relação à fiscalização dos rios e lagos.

15 O transporte fluvial para fiscalização usado é uma rabeta (canoa com motor de popa) com capacidade para 06 pessoas.

16 Entre outras atividades, ocorrem visitas de alunos da rede de ensino público nos locais onde

estão concentradas as criações de quelônios,devidamente monitorada por agentes ambientais

voluntários.

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