3 de agosto de 2010

Principio da Precauçao

Na Conferência RIO 92 foi proposto formalmente o Princípio da Precaução. A sua definição, dada em 14 de junho de 1992, foi a seguinte:


O Princípio da Precaução é a garantia contra os riscos potenciais que, de acordo com o estado atual do conhecimento, não podem ser ainda identificados. Este Princípio afirma que a ausência da certeza científica formal, a existência de um risco de um dano sério ou irreversível requer a implementação de medidas que possam prever este dano.

Este princípio tem uma clara e decisiva utilização na Bioética. Tomando apenas a questão da saúde, ela sempre esteve associada à noção de dano. Quando era entendida apenas como a ausência de doença, a saúde era tida como o estado onde o indivíduo estava livre de danos que estariam ocorrendo naquele momento. A própria atividade dos profissionais de saúde também era associada à noção de dano. Hipócrates, cerca de 400 anos aC, propôs que ao tratar os doentes o primeiro dever era o de ajudar e o segundo o de não causar dano.

Apenas com o advento da noção de risco, proposta por Pascal, no século 17, houve a associação do dano com a sua probabilidade de ocorrência e com a sua magnitude. Desta forma, o dano começou a ser categorizado de forma mais objetiva para as coletividades, mas não para os indivíduos. Para estes o dano pessoal continuava, e continua, sendo uma incerteza, quando subjetivo, ou uma ignorância, quando desconhecido.

Claude Bernard, no século 19, ao referir-se à questão da pesquisa em seres humanos, propôs que o interesse de salvaguardar a integridade do indivíduo estava acima do interesse da sociedade. Nenhum dano previsível poderia ser imposto a um participante de uma pesquisa, mesmo que houvesse o potencial de um grande benefício social.

Ao longo do século 20, inúmeros documentos buscaram estabelecer diretrizes e normas para a pesquisa em seres humanos. Em todos eles, desde o documento editado na Prússia em 1901, passando pelo Código de Nuremberg, em 1947, e pelas diferentes edições da Declaração de Helsinki, a partir de 1964, um dos pontos fundamentais foi a avaliação da relação risco-benefício. Esta avaliação sempre comentada e discutida é de difícil utilização, principalmente pelo fato do risco, quando conhecido ser um dado objetivo e calculável, o benefício não, é uma presunção baseada em propostas subjetivas, são intenções, expectativas.

Na década de 1950, Van Rensselaer Potter, que mais tarde criou a palavra e os fundamentos da Bioética, iniciou a utilizar o conceito de "conhecimento perigoso". Para ele "conhecimento perigoso" era aquele que ainda não era bem compreendido, que não se conheciam especialmente as conseqüências de forma adequada. Potter propunha que a melhor forma de enfrentar esta situação era gerando mais conhecimento e não o impedindo.

Dois exemplos de conhecimento perigoso podem ser dados: o uso da talidomida e o surgimento da engenharia genética. No caso da talidomida, uma droga tida como segura tanto em estudos científicos quanto com base em experiências pessoais em nível assistencial, desencadeou uma terrível situação ao ter o seu efeito teratogênico constatado na década de 1960. Na engenharia genética, no início dos anos 1970, os próprios pesquisadores preocuparam-se com a utilização deste novo conhecimento e estabeleceram a primeira moratória voluntária de pesquisa. A Conferência de Asilomar é que possibilitou a elaboração de diretrizes para a sua utilização adequada. A proposta da moratória de pesquisas, reconhecendo este novo conhecimento como potencialmente perigoso, e as diretrizes estabelecidas posteriormente como forma de prevenir ações que pudessem acarretar riscos demasiadamente grandes, podem ser definidas como uma situação claramente precursora do Princípio da Precaução.

Nos anos 1980, Hans Jonas caracterizou o Princípio da Responsabilidade. Nas suas obras este autor realizou uma grande reflexão sobre a importância da valorização do conceito do risco e da necessidade da comunidade científica leva-lo em conta de forma mais responsável. Jonas achava que os pacientes e participantes de pesquisas não tinham condições de entender adequadamente a noção de risco e os próprios riscos que lhes são propostos. Propunha que os pesquisadores e profissionais é que deveriam, além de informar, resguardar as pessoas de possíveis situações de riscos previsíveis.

A questão de que o risco desconhecido, ignorância, não poder ser considerado como sendo inexistente, foi discutida por Kristin Sharder-Frechette em 1994. Esta foi uma importante colaboração, pois retomou, sem citar, a proposta de Potter sobre o conhecimento perigoso.

O Principio da Precaução, que havia sido proposto em 1992, foi objeto de um seminário, realizado na França no ano 2000, onde a sua aplicação foi discutida em diversas áreas, além da saúde e do ambiente, como a comunicação social e o Direito. Este Princípio não é uma nova criação, mas sim o amadurecimento de uma idéia, que como foi brevemente apresentado anteriormente, vem acompanhando a geração e a aplicação do conhecimento, pelo menos nos últimos 2400 anos. Alguns pontos de sua definição mereceriam ser mais bem debatidos ou até mesmo reformulados, como, por exemplo, a caracterização do que é certeza científica formal.

O Princípio da Precaução não deve ser encarado como um obstáculo às atividades assistências e principalmente de pesquisa. É uma proposta atual e necessária como forma de resguardar os legítimos interesses de cada pessoa em particular e da sociedade como um todo. O Princípio da Precaução é fundamental para a abordagem de questões tão atuais e importantes como a produção de alimentos transgênicos e a clonagem de seres humanos. Reconhecer a existência da possibilidade da ocorrência de danos e a necessidade de sua avaliação com base nos conhecimentos já disponíveis, é o grande desafio que está sendo feito a toda comunidade científica mundial.

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