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Processo: 0118652-1
APELAÇÃO CÍVEL Nº 118.652-1, DE CURITIBA - 4ª VARA CÍVEL
APELANTE: HABITAT - ASSOCIAÇÃO DE DEFESA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL
APELADA: REFRIGERANTES IMPERIAL LTDA
RELATOR: Des. Ivan Bortoleto
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DANO AMBIENTAL - LIXO RESULTANTE DE EMBALAGENS PLÁSTICAS
TIPO PET (POLIETILENO TEREFTALATO) - EMPRESA ENGARRAFADORA DE REFRIGERANTES -
RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELA POLUIÇÃO DO MEIO AMBIENTE - ACOLHIMENTO DO
PEDIDO - OBRIGAÇÕES DE FAZER - CONDENAÇÃO DA REQUERIDA SOB PENA DE MULTA -
INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 225 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, LEI Nº 7347/85, ARTIGOS 1º E
4º DA LEI ESTADUAL Nº 12.943/99, 3º e 14, § 1º DA LEI Nº 6.938/81 - SENTENÇA
PARCIALMENTE REFORMADA.
Apelo provido em parte.
1. Se os avanços tecnológicos induzem o crescente emprego de vasilhames de matéria plástica
tipo PET (polietileno tereftalato), propiciando que os fabricantes que delas se utilizam
aumentem lucros e reduzam custos, não é justo que a responsabilidade pelo crescimento
exponencial do volume do lixo resultante seja transferida apenas para o governo ou a
população.
2. A chamada responsabilidade pós-consumo no caso de produtos de alto poder poluente,
como as embalagens plásticas, envolve o fabricante de refrigerantes que delas se utiliza, em
ação civil pública, pelos danos ambientais decorrentes. Esta responsabilidade é objetiva nos
termos da Lei nº 7347/85, artigos 1º e 4º da Lei Estadual nº 12.943/99, e artigos 3º e 14, §
1º da Lei nº 6.938/81, e implica na sua condenação nas obrigações de fazer, a saber: adoção
de providências em relação a destinação final e ambientalmente adequada das embalagens
plásticas de seus produtos, e destinação de parte dos seus gastos com publicidade em
educação ambiental, sob pena de multa.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 118.652-1, de Curitiba - 4ª
Vara Cível, em que é apelante Habitat - Associação de Defesa e Educação Ambiental, e
apelada Refrigerantes Imperial Ltda.
I - Trata-se de recurso de apelação cível interposto por Habitat - Associação de Defesa e
Educação Ambiental da sentença que, em ação civil pública ajuizada pela ora apelante em face
de Refrigerantes Imperial Ltda, da sentença de improcedência do pedido condenatório de
obrigações de fazer.
Em suas razões de inconformismo requereu a apelante, em defesa de interesse difuso ao
equilíbrio do meio ambiente, a reforma da sentença para que fosse suspenso o envasamento
de produtos nas garrafas plásticas PET por parte da recorrida, por serem prejudiciais ao meio
ambiente, já que não vinham sendo por ela recolhidas e destinadas adequadamente,
ocasionando danos ambientais graves como: entupimento de galerias pluviais, proliferação de
insetos, prejuízo à navegação e à biota, contaminação do lençol freático e dano estético. Em
se tratando de responsabilidade objetiva, não haveria necessidade de se provar a existência
de culpa, disse, havendo responsabilidade solidária de todos os fabricantes, engarrafadores e
distribuidores de produtos no pagamento da indenização por danos causados ao meio
ambiente, a qual seria revertida ao Fundo Estadual do Meio Ambiente.
A apelação foi recebida em seus legais efeitos.
Por seu turno, a apelada apresentou sua resposta refutando todos os argumentos elencados
no apelo, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.
O representante do Ministério Público de primeiro grau manifestou-se pelo desprovimento do
recurso. Contrariamente, o órgão ministerial de segundo grau opinou pelo seu provimento.
II - Cuida-se de ação civil pública promovida por Habitat - Associação de Defesa e Educação
Ambiental, com o propósito de condenar a empresa requerida Refrigerantes Imperial Ltda, por
engarrafar bebidas em embalagens de plástico, nas seguintes obrigações de fazer: a)
suspender a comercialização de todos os seus produtos envasados em embalagens PET; b)
iniciar imediatamente campanha publicitária para difundir a idéia de ...recolher/trocar todas as
embalagens conhecidas como garrafas 'PET' com a imposição de multa diária para o caso de
descumprimento, nos termos do artigo 11 da Lei nº 7.347/85... (f. 21); c) ...iniciar
imediatamente o recolhimento em parques e praças, ruas, lagos, rios e onde forem
encontradas estas embalagens PET utilizadas na embalagem de seus produtos, com a
imposição de multa diária para o caso de descumprimento, nos termos do artigo 19 da Lei
Estadual nº 12.493/99... (f. 21/22); e finalmente, d) apresentar ...um cronograma, dentro do
menor prazo possível, para substituição deste material em sua linha de produção... (f. 22).
Segundo se depreende da leitura da sentença, depois de sopesar os fatos, concluiu a
meritíssima Juiza de primeiro grau pela improcedência do pedido por entender, em síntese,
que embora fosse nobre o objetivo da lide, só se poderia responsabilizar a empresa ré pelo
lançamento de embalagens dos seus produtos da natureza se restasse comprovada a sua
culpa, ou dolo exclusivo pela degradação ambiental resultante. A nobre Juíza ponderou que tal
responsabilidade cabe também aos usuários e ao poder público, aqueles por se desfazerem
das embalagens após o uso sem qualquer cuidado, este pelas deficiências na coleta e
tratamento do lixo e por omissão na repressão a atos de desleixo para com o meio ambiente.
Conclui que o envase de produtos em embalagens descartáveis trouxe grande avanço para os
consumidores, não havendo razão para se abrir mão desta comodidade, e que soluções
alternativas deveriam ser procuradas para resolver o problema como um todo, não se podendo
imputar a responsabilidade pelos danos ao meio ambiente a apenas um determinado
segmento do mercado.
A matéria trazida a exame merece reflexão mais abrangente, contudo, dada a magnitude do
problema da poluição causada pelo descarte das embalagens plásticas PET, fato tão público
quanto notório, e pela importantíssima razão de todas questões relativas ao meio ambiente
estarem ligadas à própria sobrevivência da raça humana.
A despeito dos vultuosos progressos tecnológicos das últimas décadas, o homem ainda não
encontrou a fórmula ideal para o desenvolvimento sustentável, ou seja, a erradicação da
pobreza sem perder de vista a preservação do meio ambiente.
A Carta das Nações Unidas e os princípios de Direito Internacional atribuem aos Estados a
prerrogativa de explorar seus recursos naturais e potencialidades, em sintonia com políticas
responsáveis em relação ao meio ambiente e ao desenvolvimento.
Inserido no contexto das nações civilizadas, nosso país adotou em sua Constituição, como bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, o direito de seus cidadãos ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado. Entre nós, portanto, preceitos constitucionais
impõem ao Poder Público e à própria coletividade o dever de defendê-lo e de preservá-lo para
as presentes e futuras gerações (CF, art. 225), bem como aos infratores, pessoas físicas ou
jurídicas, sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os
danos causados (CF, art. 225, § 3º).
Nem poderia ser diferente, pois qualquer dano ou desequilíbrio do ecossistema afeta não
apenas os habitantes de uma cidade, estado, ou país, mas a curto, médio ou longo prazo, à
humanidade como um todo.
Mesmo seduzido pelas facilidades do consumo, nesta que se pode chamar - era do
descartável, o homem moderno vem se defrontando com a necessidade de preservar o meio
ambiente. O fenômeno da mídia televisiva o coloca diariamente em contato com um sem
número de notícias sobre catástrofes decorrentes da poluição, as mais diversas, e por todo o
planeta. Vazamentos de óleo de navios e resíduos tóxicos de usinas ou fábricas, intoxicações e
doenças relacionadas ao deficiente armazenamento de lixo atômico, industrial e doméstico,
bem como do uso indiscriminado de pesticidas, são as ocorrências mais comuns, sempre
apontadas como causa de contaminação ou mortandade da fauna, flora e inclusive vidas
humanas.
Certo é que a humanidade tem direito ao progresso tecnológico e aos benefícios decorrentes.
Certo é também que quando se trata de evolução tecnológica não se pode, ou não se deve
olhar para trás, pois ninguém hoje, em sã consciência, abriria mão do uso de seu computador,
aparelho de TV, telefone celular, etc, apenas por terem o potencial de poluírem o meio
ambiente quando descartados.
Se por um lado a multiplicação da população mundial torna imprescindível a criação e
utilização de novos produtos na busca do conforto, da evolução e da sobrevivência da raça
humana, não se pode admitir a que isto possa ser obtido a qualquer preço, ou ainda que com
sacrifício do meio ambiente. Do contrário, se estaria trocando o conforto relativo de algumas
poucas gerações pelo direito inalienável de sobrevivência de todas as gerações futuras, pois a
natureza não tem a capacidade de se regenerar com a mesma rapidez com que o homem a
pode destruir.
Portanto, é mesmo imprescindível que todo homem se conscientize da necessidade de viver
sem poluir. É igualmente necessário fomentar a conscientização crescente desta
responsabilidade comum, bem como a prática de ações concretas de preservação ambiental.
O direito, na sua expressão mais pura de dar a cada um o que é seu, é sem dúvida um dos
mais importantes instrumentos de que se pode lançar mão para vencer a inércia daqueles
ainda não engajados ou conscientizados em relação ao interesse preservacionista.
Mesmo limitado pela timidez da legislação ambiental, o Poder Judiciário brasileiro, sempre que
acionado, tem cumprido o seu papel. Inúmeras são as decisões proferidas por seus membros
reprovando os excessos irresponsavelmente cometidos por empresas, pelo próprio governo,
ou pelos cidadãos comuns, em menosprezo aos postulados constitucionais que consagram o
direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Justamente a respeito deste importantíssimo tema, em uma de suas mais brilhantes
monografias, o eminente ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, do Superior Tribunal de
Justiça, enfatiza: ...o crescimento econômico é essencial e o aumento do consumo tende a
gerar tal desenvolvimento, trazendo satisfação aos consumidores e riqueza aos produtores,
com aumento de empregos. Destacados por fortes apelos publicitários, cada vez mais e mais
produtos são oferecidos; novos, mais modernos e sofisticados, substituem os anteriores,
tornados obsoletos por vezes com pouco tempo de uso. É o consumo de massa, cada vez mais
intensificado pela era da chamada globalização. Muitos produtos, não perecíveis, de longo
processo de deteriorização, são jogados à natureza. Os lixos e resíduos ampliam-se,
degradando o ambiente. Daí a necessidade de buscar-se um modelo de consumo que menos
degrade, impondo-se discutir o que os consumidores precisam efetivamente (para bem)
consumir. ...(...)... O poder dos consumidores é mais retórico que real. Isso porque, na
sociedade da globalização, da informação publicitária e da massificação do consumo, a
capacidade de influir no processo produtivo (de seleção do que deve ser produzido) é
extremamente limitada, para não dizer inexistente. . ...(...)... Todavia, os grandes
degradadores, os maiores poluidores, que são os conglomerados multinacionais, constituíram
seu poderio e degradam graças ao consumo cada vez maior que decorre da conduta dos
consumidores individuais. Em duas frentes há que buscar-se iniciativas tendentes a reverter
ou diminuir a degradação ambiental, promovendo a sustentabilidade do ambiente e a
racionalização do consumo: no setor da produção e no do consumo dos produtos. . ...(...)... O
maior impacto sobre o ambiente provém da atividade produtiva utilizada sem sustentabilidade,
tornando imperioso o desestímulo à produção degradadora, impondo-se, outrossim, a busca
da conscientização do consumidor, de modo a educá-lo para um consumo sustentável. Não é
fácil uma atuação concreta e efetiva nos dois campos.É necessário desestimular, até impedir,
conforme o grau de potencialidade ofensiva ao ambiente, a produção degradadora, bem como
orientar o consumo sustentável, como já destacado. Estas são algumas das sugestões: a)
efetivação do princípio "poluidor-pagador", através de pesada tributação às atividades
degradadoras, a par da indenização do dano causado; b) proibição de atividades degradadoras
(não basta a pesada tributação, para que não se caia no perigoso e danoso) "pague e polua";
c) incentivos fiscais às atividades não ofensivas ao meio ambiente; d) influenciar o processo
legislativo, com legislação visando à proteção civil e penal ao meio ambiente; e) educação ao
consumo sustentável e à tutela do ambiente....(...)...O caminho à sustentabilidade do meio
ambiente passa, induvidosamente, pela educação, capaz de influir e formar a conscientização
pela precaução e tutela do ambiente, impondo-se, outrossim, agir junto à sociedade
organizada, ao poder público constituído, às associações civis e aos educandários. Relevante
contribuição pode ser proporcionada, por exemplo, pelas Escolas da Magistratura, seja
buscando concorrer à elaboração legislativa, seja na formação dos operadores do Direito,
sabido que, em outras áreas (na do processo civil e do processo penal) tem contribuído a
Escola Nacional da Magistratura na reforma da legislação. No tocante ao consumo e ao meio
ambiente, como lembra ELÁDIO LECEY, algum trabalho também já tem sido feito, através de
atuação conjunta da Escola com outras entidades, como o "Instituto Brasileiro de Política e
Direito do Consumidor" BRASILCON e o Instituto "Direito por um planeta verde", promovendo
cursos e seminários de Direito do Consumidor e de Direito Ambiental para magistrados,
agentes do Ministério Público e carreiras jurídicas em geral. A diminuição, a reversão de
atividades degradadoras, seja a produção, seja o consumo sem sustentabilidade, podem ser
alcançadas pelo uso do Direito, pela educação e pela atuação junto à sociedade organizada e
influenciadora do poder constituído, gerando frutos na busca de proporcionar uma efetiva
tutela do meio ambiente, que não é somente nosso, mas também das futuras gerações. ...
(...)... Os homens, contaminados de egoísmo, utilizam-se do ambiente como um
supermercado gratuito. De tudo se apossam e não cuidam da reposição. E não há refil para
uma natureza que se esgota rapidamente. O voluntariado poderia contribuir mediante
campanhas promocionais e formação de pequenos grupos de vigilantes do ambiente ou de
amigos da natureza. Grupos encarregados de estimular iniciativas como: a) economia dos
recursos energia e água, principalmente; b) reposição dos vegetais abatidos; c) formação de
nichos ecológicos na cidade e na zona rural; d) estímulo à proliferação animal, principalmente
pássaros; e) incentivo à modicidade no dispêndio de tudo o que provém da natureza, de que é
exemplo clássico o uso do papel, elaborado com pasta de árvores; f) necessidade da
reciclagem; g) aproveitamento racional dos detritos; h) conhecimento adequado do problema
do lixo material aproveitável, possibilidade de redução de sua quantidade, a questão do lugar
destinado ao monturo. Problemas que uma educação ambiental pode, se não resolver, ao
menos dele alertar, motivando rumo às alternativas de tratamento racional. A preservação do
ambiente passa pelo combate ao hedonismo, à luta contra o egoísmo. É necessário alertar o
ser humano de que ele é mero detentor provisório de um patrimônio que a Constituição
brasileira já declarou pertencer às futuras gerações.... Ao concluir, o Eminente Ministro bem
ressaltou o papel do Poder Judiciário no contexto da legislação ambiental verbis: ...Cabe ao
Judiciário a função estatal de solucionar os conflitos. A contemporaneidade, que trouxe o
aprofundamento, também está a ensejar o repensar do papel tradicional reservado ao juiz. Ele
não é só um agente a posterior, incumbido pelo sistema de conferir solução à controvérsia,
mas tem sido chamado a atuar a priori, antecipando-se ao próprio surgimento dela. É por isso
que o novo processo tem insistido na conciliação solução eticamente superior pois autônoma
(exige a participação concreta dos envolvidos, que chegam à solução mediante exercício de
sua vontade) mais que a decisão eticamente inferior, pois heterônoma (é sempre a solução
ditada, imposta pelo Estado-juiz). O Judiciário, no próximo século, cada vez mais estará
presente na sociedade, dela participando não só nas soluções de litígios e na efetivação das
garantias constitucionalmente asseguradas, atento aos fins sociais da lei e às exigências do
bem comum, como também como autêntico Poder moderador. O juiz, nesse contexto, será o
pacificador. Não mais chamado a intervir apenas post factum, mas atuante também ante
factum, como inspirador de condutas propícias à redução, no sentido utópico da verdadeira
eliminação do conflito....
À luz destes fundamentos, passa-se ao exame do mérito recursal propriamente dito, que
envolve o interesse coletivo difuso de preservação do meio ambiente, pois a preliminar de
extinção do processo por ilegitimidade ativa da parte autora foi bem afastada pela meritíssima
Juíza a quo, por tratar-se de entidade constituída há menos de ano, com espeque no artigo 5º,
§ 4º da Lei nº 7.347/85. A lei realmente dispensa o requisito de constituição há pelo menos
um ano, no caso das associações, quando há manifesto interesse social evidenciado pela
dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido, como
na espécie.
Tramita pelo Congresso Nacional desde abril de 1999, o Projeto de Lei nº 269/99, de iniciativa
do Senador Carlos Bezerra, que estabelece normas para a destinação final de garrafas e
outras embalagens plásticas, a exemplo do comumente chamado vasilhame PET, denominação
abreviada do material com que é fabricado - o polietileno tereftalato.
Enquanto isto, porém, o consumo e a eliminação de milhares de embalagens descartáveis no
meio ambiente prossegue de forma indiscriminada, sem que pouco ou quase nada se faça no
intuito de coletá-las, ou de reciclá-las.
Consta da justificativa do referido projeto de lei a informação de que só em 1997 foram
produzidas no Brasil 121.000 (cento e vinte e uma mil) toneladas de plástico PET, das quais
apenas 15% (quinze por cento) foram recicladas. Isto implica que nada menos que
102.850.000 (cento e dois milhões oitocentos e cinqüenta mil) quilos daquele plástico foram
parar nos aterros sanitários de nossas cidades, quando não nos rios e galerias de águas
pluviais.
O mesmo não ocorreu nos países do assim chamado primeiro mundo, onde há crescente
preocupação com a reciclagem de plásticos. Naquele mesmo ano de 1997, só nos Estados
Unidos da América a taxa de reciclagem foi de 40%, totalizando 760.000.000 (setecentos e
sessenta milhões) de quilos.
Enquanto esta conjuntura existir, o lixo gerado pelo consumo de produtos envasados em
embalagens PET continuará dando causa a inúmeras catástrofes, como por exemplo o
alagamento de imóveis urbanos por entupimento de bueiros e galerias de águas pluviais, o
que é agravado pelo assoreamento dos corpos d'água.
Sabe-se que a demanda por plásticos, aqui como no mundo inteiro vem crescendo ano a ano
de modo vertiginoso. Segundo uma das diversas organizações de empresários do setor de
reciclagem, identificada pela sigla CEMPRE (Compromisso Empresarial para Reciclagem e
Produção), a indústria de embalagens plásticas em nosso país é hoje uma das de maior
crescimento. Para se ter uma idéia, o consumo brasileiro de polietileno (de todos os tipos)
cresceu 14,7% entre os anos de 1992 a 1996. Especialistas do setor previram que até o ano
2000 a taxa de crescimento seria da ordem de 9% ao ano, segundo a justificativa do
anteprojeto de lei citado. E mais, só na composição do lixo domiciliar da cidade de São Paulo,
em 1998, o plástico correspondia a 22,9%, perdendo apenas para matéria orgânica, que
respondia por quase metade do volume total.
Na justificativa do multicitado projeto de lei, mencionou-se uma informação do ex-presidente
de Portugal, Mario Soares, quando coordenava a Fundação Oceanos - Um Patrimônio da
Humanidade, num de seus relatórios, de que mais da metade do lixo oceânico atual é
originário das embalagens e resíduos plásticos, e que deste, 60% (sesssenta por cento) é
composto de vasilhames PET.
Isto demonstra a urgência da adoção de medidas preventivas e de combate ao grave impacto
ambiental causado pelo lixo plástico. Trata-se de elemento por demais nocivo pela sua lenta
degradação na natureza, e pela facilidade de acúmulo de grandes volumes em locais
inadequados.
Entre nós o problema vem se tornando cada vez mais grave dada a lentidão dos órgãos
governamentais na adoção de políticas concretas e eficientes de gestão de resíduos sólidos,
em especial na implantação de medidas que favoreçam e obriguem a reciclagem, e a
inexistência de uma legislação específica, de caráter preventivo e repressivo.
Este quadro alarmante não permite que o Poder Judiciário simplesmente lave as mãos,
máxime quando se cuida de fazer respeitar os princípios constitucionais da política ambiental
brasileira, em vista dos fins sociais a que se dirigem a às exigências do bem comum (LICC,
art. 5º).
A possibilidade de se extrair de dispositivo de decisão de ação civil pública o comando
destinado a minorar os efeitos de determinado quadro fático que representa risco ambiental é
efeito inerente à própria natureza deste importante remédio judicial, como salientam
doutrinadores de escol como de Rodolfo de Camargo Mancuso, verbis: ...Quanto à sua
natureza, avulta do art. 1º, caput, da L. 7.347/85 a eficácia condenatória principal da ação
civil pública. Isto resulta claro neste dispositivo, segundo o qual ela visa a obter reparação de
danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente (inc. I), ao consumidor (inc. II), a
bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (inc. III) e a
qualquer outro interesse difuso e coletivo (inc. IV). Em geral, e neste aspecto reside a
grandeza do remédio em tela, a ação civil pública condenará o réu a uma prestação de fazer,
ou de não fazer, que recomponha in specie a lesão a interesse difuso violado, sob pena de
execução por terceiro, às suas expensas, ou de cominação de multa diária pelo retardamento
no cumprimento do julgado. ....
Com efeito, se por um lado os avanços tecnológicos induzem o emprego de vasilhames tipo
PET, obtidos a partir de matéria plástica, propiciando que as empresas que delas se utilizam
aumentem lucros e reduzam custos, não é justo que a responsabilidade pelo crescimento
exponencial do volume do lixo resultante seja transferida apenas para o governo ou a
população.
Cuidando-se aqui da chamada responsabilidade pós-consumo de produtos de alto poder
poluente, é mesmo inarredável o envolvimento dos únicos beneficiados economicamente pela
degradação ambiental resultante o fabricante do produto e o seu fornecedor.
Esta responsabilidade é objetiva aliás, nos termos das disposições da Lei nº 7.347/85, artigos
1º e 4º da Lei Estadual nº 12.943/99, e artigos 3º e 14, § 1º da Lei nº 6.938/81, como bem
observou a douta Procuradoria Geral de Justiça no bem lançado parecer de folhas 177/183.
Assim, não só pode como deve a recorrida ser responsabilizada, ainda que parcialmente, em
ação civil pública, pela destinação final ambientalmente adequada de garrafas e outras
embalagens plásticas das bebidas de que vem se servindo na sua atividade econômica.
No entanto, não se pode simplesmente impedir o ato envase de bebidas e refrigerantes em
embalagens plásticas tipo PET, como quer a apelante. Tal pretensão é juridicamente
impossível, pois seu acolhimento afrontaria as normas constitucionais que asseguram o
respeito aos valores sociais do trabalho, da livre iniciativa, e do livre exercício de qualquer
atividade econômica (CF, art. 1º, IV e 170, § único).
Também não se acolhe, por igual motivo, o pedido de apresentação de ...cronograma, dentro
do menor prazo possível, para substituição deste material em sua linha de produção... (sic, f.
22), pois a utilização da matéria plástica nos mais diversos ramos da indústria, inclusive nas
embalagens de bebidas e refrigerantes, é um fato irreversível, pelos fundamentos já
apresentados, além de não ser vedada em nosso ordenamento jurídico. Porém, se a causa não
pode ser combatida, deve-se ao menos atacar objetiva e eficientemente os seus efeitos pelas
mais diversas formas, sob pena de resignação e assentimento em relação à lenta
transformação do planeta num gigantesco depósito de lixo.
Por isto que se deve priorizar o quanto antes a reciclagem obrigatória. No caso brasileiro,
aliás, isto é de fundamental importância até pelos efeitos sociais benéficos que traz ao
fomentar a chamada economia informal.
Segundo informações veiculadas em jornal da UNICAMP (Universidade de Campinas/SP), o
guia da Coleta Seletiva de Lixo do Compromisso Empresarial para Reciclagem (CEMPRE),
recentemente estimou que 200.000 catadores de rua, autônomos e em cooperativas, foram
responsáveis pela coleta informal de vários tipos de materiais. Informa ainda que o mercado
comprador desses produtos vem crescendo e que as próprias indústrias de reciclagem acabam
optando pelo trabalho de catadores ao invés de contratar funcionários para fazer a coleta,
separação e triagem dos resíduos. Informa finalmente que só em Campinas, até 1998,
estavam cadastradas pelo menos 30 (trinta) empresas de compra de material reciclável.
Se a reciclagem é socialmente benéfica, deve-se envidar esforços para torná-la obrigatória no
menor espaço de tempo possível, como forma eficiente de se atenuar os efeitos nocivos da
poluição e de trazer resultados positivos à economia das populações carentes. Sua prática
deve ser urgentemente fomentada por todos os envolvidos no processo: fabricantes,
engarrafadores, consumidores, e as autoridades públicas responsáveis pelo serviço de coleta
de lixo.
Destarte, merece acolhimento a pretensão recursal e o pedido de condenação da apelada na
obrigação de fazer, de recolhimento das embalagens dos produtos que vier a fabricar, após o
consumo, quando deixadas em parques e praças, ruas, lagos, rios e onde forem encontradas.
Para tanto, deverá dar início imediato a este recolhimento em todas as localidades nas quais
distribuir seus produtos. Faculta-se-lhe, porém, o cumprimento de obrigação alternativa, ou
seja, de adotar, dentro de no máximo 60 (sessenta) dias após o trânsito em julgado desta
decisão, procedimentos de reutilização e recompra, por preço justo, de no mínimo 50%
(cinqüenta por cento) das garrafas plásticas que produzir a cada ano, após o uso do produto
pelos consumidores, a fim de dar-lhes destinação final ambientalmente adequada, assim
entendida a utilização e reutilização de garrafas e outras embalagens plásticas em processos
de reciclagem, e para a fabricação de embalagens novas ou para outro uso econômico,
respeitadas as vedações e restrições estabelecidas pelos órgãos oficiais competentes da área
de saúde.
Acolhe-se também o apelo em termos, para condenar a apelada a dar início imediato a
campanha publicitária às suas expensas, com destinação de no mínimo 20% (vinte por cento)
dos recursos financeiros que vier a gastar anualmente com a promoção de seus produtos, na
divulgação de mensagens educativas de combate ao lançamento de lixo plástico em corpos
d'água e no meio ambiente em geral, informando o consumidor sobre as formas de
reaproveitamento e reutilização de vasilhames, indicando os locais e as condições de recompra
das embalagens plásticas, e estimulando a coleta destas visando a educação ambiental e sua
reciclagem. Deverá ainda imprimir em local visível e destacado da embalagem de todos os
seus produtos informações sobre a possibilidade da sua reutilização e recompra, advertindo o
consumidor quanto aos riscos ambientais advindos de seu descarte no solo, corpos d'água ou
qualquer outro local não previsto pelo órgão municipal competente de limpeza pública.
Sem prejuízo da responsabilidade por danos ambientais causados pelas embalagens plásticas
de seus produtos, o descumprimento comprovado, ainda que parcial, de qualquer das
obrigações aqui fixadas nos limites da competência territorial deste Tribunal (Lei nº 7.347/85,
art. 16), incorrerá a apelada em multa diária equivalente a 0,5% (meio por cento) do valor
dado à causa, a ser carreada para o fundo previsto no artigo 13 da Lei nº 7.347/85.
Não obstante o acolhimento parcial do pedido implique na sucumbência recíproca excogitada
no artigo 21 do Código de Processo Civil, condena-se apenas a apelada no pagamento de
metade do valor das custas processuais e honorários advocatícios, estes de R$ 3.000,00 (três
mil reais), em favor dos procuradores da apelante, que goza de imunidade, nos termos do
artigo 18 da Lei nº 7.347/85, não podendo ser condenada nas verbas sucumbenciais.
III - Ante o exposto, DECIDE o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por sua Oitava
Câmara Cível, à unanimidade de votos, em dar provimento parcial ao apelo, nos termos da
fundamentação.
A sessão foi presidida pelo Desembargador Ivan Bortoleto, com voto. Acompanhou o Relator o
eminente Desembargador Celso Rotoli de Macedo e o Juiz Convocado Antônio Renato
Strapasson.
Curitiba, 05 de agosto de 2002.
Des. Ivan Bortoleto
Presidente/Relator gc/cg
Não vale como certidão ou intimação.
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